Esses números mostram a precariedade da situação da ararinha-azul. A ave está na lista vermelha da IUCN é classificada, desde 1994, como criticamente em perigo de extinção. O plano para seu o retorno à natureza é rico em detalhes, etapas preparatórias e missões para as instituições mantenedoras além da simples cessão de exemplares da espécie.
A Al Wabra Wildlife Preservation (AWWP), do Qatar, é um dos parceiros críticos. Entre as 5 instituições mantenedoras das 80 aves disponíveis para o programa (13 indivíduos estão, hoje, na Suíça e não participarão) possui 60 indivíduos, de longe o maior número reunido de ararinhas-azul. Outro ponto a favor do projeto foi o ingresso de um parceiro de peso. A Vale agora integra o grupo composto pela a SAVE Brasil, ICMBio e Al Wabra.
A chegada da Vale no projeto é comemorada pelo coordenador de manejo para conservação de espécies ameaçadas do ICMBio, Ugo Vercillo. Ele diz que a parceria é a nova filosofia que o ICMBio procura implantar. “O governo sozinho faz pouco. Solitárias, a sociedade organizada e as empresas também. Agora, se todos se juntam, as capacidades são multiplicadas e grandes objetivos podem ser atingidos”, afirma. A diretora de Meio Ambiente da Vale, Gleuza Jesué, destaca o projeto: “Temos todo interesse em contribuir para a pesquisa dessa espécie e a possível reintrodução da mesma em seu ambiente natural”.
A Al Wabra, por exemplo, abraçou a causa das ararinhas desde 2000. Ela possui conhecimento adquirido por uma equipe composta de 2 curadores, 4 veterinários, 5 biólogos e 40 tratadores que trabalham perto da cidade de Al Shahaniyah, no Qatar. A instituição é mantida pelo xeque Saoud bin Mohamed bin Ali Al-Thani, que herdou a coleção do seu pai, o xeque Saoud.
Este ano, os biólogos da Al Wabra avançaram na técnica da inseminação artificial sistemática, com apoio da Universidade de Giessen, na Alemanha, e da Parrot Reproduction Consulting, consultoria em reprodução de papagaios que desenvolveu a técnica para a universidade em conjunto com os veterinários e ornitólogos da Al Wabra. Como resultado, 5 filhotes nasceram. “Estão sendo criados à mão”, conta a bióloga da Al Wabra, Monalyssa Camandaroba. A pesquisadora diz que a prioridade número um é o aumento da população em cativeiro, para possibilitar o sucesso do programa de reintrodução no Brasil. “A Al Wabra está pronta para desempenhar um papel importante para alcançar esse objetivo”, garante.
No período reprodutivo do próximo ano, espera-se uma maior quantidade de ovos fertilizados. As fêmeas sem macho vão ser estimuladas por machos estéreis de outras espécies, como Ara severa (Orthopsittaca manilata), para, em seguida, seus ovos serem inseminados com esperma de ararinha-azul. “Não temos como assegurar o sucesso da reprodução assistida, mas vamos aumentar a quantidade de aves estimuladas e ovos inseminados”, disse Monalyssa.
Com a mesma intenção, os biólogos da Al Wabra planejam criar um híbrido. Ele fortalecerá o vigor genético das ararinhas-azul em cativeiro. A estratégia, esclarece Monalyssa, é adotada em populações sob risco de extinção. A criação de um filhote híbrido ajudou a melhorar a genética do mutum-de-Alagoas, ave da Mata Atlântica nordestina também extinta na natureza. “Essa ação fortifica o quadro genético”, explica.
No caso da ararinha-azul, o híbrido é essencial, pois todas as que restam espalhadas pelo mundo provêm de um único casal. Logo, a variabilidade genética das sobreviventes é baixa. Nesse caso, a espécie que será usada para produzir o híbrido é a maracanã-do-buriti (Orthopsittaca manilata).
A espécie é bandeira da conservação, que desperta no grande público a necessidade de mantermos nossa fauna, conta Pedro Develey, da Save Brasil. “A ararinha-azul é como o urso panda ou os golfinhos”, compara. O filme de animação Rio, do diretor brasileiro Carlos Saldanha, chamou a atenção para o tráfico internacional de aves com as aventuras de Blu, a ararinha-azul solitária que foi levada ilegalmente para os EUA. Com o anúncio de Rio 2, Develey quer contatar Saldanha para aproximá-lo da causa e – por que não? – para o plano de reintrodução da ave na natureza.
A Save tem vasta experiência no estímulo à observação de aves. Um aspecto que chamou a atenção do diretor da instituição é a boa qualidade do habitat da ararinha-azul. “A Caatinga está toda lá, com todas suas ricas características, inclusive as caraibeiras [tronco de árvore preferido pelas ararinhas]. Encontramos vários outros psitacídeos, como as maracanãs e o papagaio-verdadeiro. Dói saber que está faltando uma espécie, que deveria estar lá, se não fosse a ação dos traficantes de animais silvestres”, diz Develey.
O diretor de Cultura do município de Curaça, Fernando Ferreira, explica que na cidade já existe um ânimo favorável para o retorno desses ilustres ex-habitantes. “O prefeito tanto explica para as comunidades mais afastadas a importância das ararinhas, como também sonha com o movimento de turistas e pesquisadores, interessados em vê-las de volta à natureza”, relata. Fernando Ferreira é também autor da música Brincadeiras de arara, que serve de trilha musical para o vídeo Ararinha na natureza, sobre o projeto, disponível no YouTube.
O projeto também buscará medidas compensatórias de intervenções que
causam impacto negativo. Um exemplo são os linhões de transmissão de
energia elétrica, apontados como potencialmente perigosos para aves.
Haverá uma articulação com a agência ambiental baiana para garantir que
novas licenças ambientais na região considerem o trabalho.
Por fim, além de oferecer um “lar” para esses psitacídeos de tamanho
médio (o corpo da ararinha-azul mede entre 55 cm e 57 cm), é preciso
educar e incentivar o homem simples a participar da conservação. O plano
procurará envolver a comunidade e fazê-la compreender os benefícios em
jogo.
Antes da soltura dos casais de ararinhas-azuis (entre 5 e 10 casais, nos
cálculos dos entusiastas do projeto), está previsto, antes, um teste:
fazer o mesmo com casais de maracanãs, espécie comum ao mesmo habitat,
porém, que não estão em risco de extinção. Investigados os resultados
dessa experiência, provavelmente em 2017, estarão cumpridas as etapas
essenciais para a reintrodução da ararinha-azul, espécie do sertão de
beleza e graça tão raras que a cobiça humana quase pôs-lhe um fim.
Celso Calheiros
Fonte: O Eco
Nenhum comentário:
Postar um comentário