A concorrência dos pardais com as aves nativas
cantando para a majestade o sabiá
a majestade o sabiá
No rádio do táxi, Jair Rodrigues cantava a música acima. Já eram quase
seis da tarde de uma sexta-feira em Brasília, com trânsito intenso. Meu
vôo para São Paulo estava previsto para as seis e quarenta e cinco e a
música lembrava da satisfação de estar indo para um lugar todinho meu.
Os ponteiros do relógio pareciam apressados, esse passageiro ansioso e o
motorista do táxi calmo demais.
- Não dá pra ir mais depressa?
- De que jeito? Nessa avenida só tem pardal!
Em Brasília, os radares fotográficos ganharam apelido de pardal.
- Por que pardal? Perguntei ao motorista de táxi.
- Porque tem em todo lugar.
De fato, quem não conhece o pardal? Eles estão por
toda parte, seja nas cidades ou na zona rural. O que nem todo mundo sabe
é que o pardal (Passer domesticus) é um forasteiro. Foi
introduzido no Rio de Janeiro, em 1906, por Antonio B. Ribeiro. Ele
trouxe de Portugal cerca de 200 exemplares, com a intenção de ajudar
Oswaldo Cruz na luta contra insetos transmissores de doenças. Na época,
ninguém imaginava que a vocação de colonizador desses pássaros fosse tão
grande quanto a dos portugueses. Em menos de um século, espalharam-se
praticamente por todo o Brasil.
E
se eles, de fato, comem insetos, também adoram sementes. Ou seja, podem
ajudar no controle de pragas, mas atrapalham diversas culturas
agrícolas, como arroz e trigo, por exemplo.
Nos Estados Unidos, onde a espécie também foi
introduzida, um estudo detalhado concluiu que os prejuízos são
superiores aos benefícios. Foram analisados conteúdos estomacais de 8
mil pardais. De tudo o que haviam consumido, cerca de 20% eram insetos
considerados daninhos pelo homem e 25% de alimento cujo consumo seria
neutro para a economia humana. Mas 55% eram grãos cultivados!
Ainda assim, o prejuízo econômico é pequeno quando
comparado ao ecológico. Algumas espécies de aves nativas são fortemente
ameaçadas pelo "invasor". A andorinha-azul-e-branca (Notiochelidon
cyanoleuca), também muito comum nas cidades, é uma delas. Essa espécie
alimenta-se exclusivamente de insetos capturados durante o vôo. Para
isso, ao contrário do pardal, as andorinhas exibem habilidades notáveis
ao voar. Aproveitam muito bem o vento, conseguem planar com as asas bem
abertas com a ajuda das correntes de ar e realizam curvas fechadas como
poucas outras aves. Parecem ter sido projetadas para caçar insetos.
O
pardal, por sua vez, voa o tempo todo batendo as asas, sem demonstrar
nenhuma harmonia. Jamais conseguiria competir com uma andorinha na caça
de insetos, no entanto, tem o mesmo hábito de construir o ninho em
pequenos buracos, como os beirais de telhados das casas. E é aí que o
pardal leva vantagem: ele consegue se deslocar no chão dando pequenos
saltos - algo que a andorinha é incapaz de fazer - e com isso apanha
material para a construção do ninho muito mais rápido.
Diversas vezes já observei casais de andorinhas
construindo o ninho. Levam até uma semana na tarefa. Já o pardal
consegue construir o seu ninho em apenas um dia e, muitas vezes, escolhe
o mesmo lugar que a andorinha. Chega ao cúmulo de não respeitar nem
mesmo um ninho já pronto, construindo o seu sobre o ninho da andorinha,
que acaba afugentada.
Em 1995, ao gravar um programa especial para o Globo Repórter sobre as andorinhas-azuis (Progne subis),
nos Estados Unidos, constatei que o pardal é um problema também por lá,
mas paga um alto preço por isso. Como na América os apaixonados por
andorinhas-azuis instalam casas de alumínio nos jardins para que elas se
reproduzam, os pardais de lá sempre procuram se instalar nelas. Os
moradores verificam periodicamente as casas de andorinhas e retiram os
ninhos de pardal, que são imediatamente queimados, algumas vezes com
ovos e até filhotes. E essa não é a única medida adotada no combate ao
"invasor". Armadilhas são instaladas para capturá-los. Uma vez preso, a
sorte está lançada: o pardal pode ser solto ou morto, depende da vontade
de quem o prendeu.
Difícil julgar essa atitude, mas no meio oeste
americano, pardal é considerado praga e quase sempre eliminado. Toda
crueldade é justificada pela ameaça que ele causa às espécies nativas,
além da andorinha-azul, o 'eastern bluebird' (Sialia sialis) e a corruíra (Troglodytes aedon), entre outras.
No nosso caso, o pardal ameaça não apenas a andorinha-azul-e-branca como a corruíra e até mesmo o joão-de-barro (Furnarius rufus),
que chega a ser expulso de sua casa pelo pardal, embora seja bem mais
raro de acontecer. O que fazer para resolver essa questão sem apelar
para a sentença de morte?
Penso que não podemos culpar o pardal, afinal alguém
o trouxe para cá. Uma das maneiras é dificultar ao máximo a reprodução
da espécie, fechando os beirais de telhados com lambril. A instalação de
pequenas caixas de madeiras com um só furo na parte de baixo, não vai
ser problema para andorinha-azul-e-branca entrar e construir seu ninho,
ao passo que, para o pardal, é tarefa impossível. No caso da corruíra, a
instalação de casinhas com entradas bem pequenas, nos jardins, é
suficiente para torná-las exclusivas para espécie.
Isso com certeza não irá eliminar os pardais do
país, mas, acredite, se tomar esses cuidados pelo menos em sua casa,
você não terá pardais concorrendo com nossas aves nativas. É melhor ter
andorinhas comendo insetos, que pardais borrando a pintura das paredes.
Melhor acordar com o canto da corruíra, do que ouvir a algazarra de
pardais nos fins de tarde. Que me perdoe o Jair Rodrigues, mas pardais
nunca fizeram sinfonia alguma, muito menos para a majestade, o sabiá.
Num lugar todinho meu tem até rede para deitar, mas só outras aves vão
cantar.
Fonte:VIA EPTV
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