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Um artigo recente de três cientistas sociais britânicos promete mais
dores de cabeça aos ambientalistas. Trata-se de “Green Grabbing: a new
appropriation of nature?” (algo como “Acumulação verde: Uma nova
modalidade de apropriação da terra?”), de James Fairhead, Melissa Leach e
Ian Scoones, publicado em The Journal of Peasant Studies, Vol. 39, No.
2, páginas 237–261, 2012). Indo contra a corrente, os autores afirmam
que a conservação de amostras de ecossistemas naturais através de áreas
protegidas, tanto públicas como privadas, bem como a aplicação de
iniciativas de compensação econômica pela retenção ou fixação de
carbono, é uma perigosa réplica neoliberal do colonialismo e do
neocolonialismo, que teria despojado de terra milhões de pessoas. Entre
outras coisas, eles sentenciam que conservar a natureza dessa forma é
uma imoralidade, embora por certo não mencionem quais são as
alternativas.
Esses autores e alguns dos comentários favoráveis às suas especulações
são cuidadosos em acumular num mesmo saco: (i) a compra de terras para
fazer agricultura intensiva para commodities e para os supostamente
desejáveis biocombustíveis, (ii) o estabelecimento de áreas protegidas,
incluindo as que existem desde o século passado e, assim mesmo, (iii) os
acordos entre os legítimos proprietários da terra, sejam indígenas ou
camponeses, e os que negociam créditos de carbono, fora ou dentro dos
acordos internacionais, como no caso da proposta conhecida como REDD ou
REDD+ (redução de emissões de carbono por desmatamento e degradação
evitados). Juntar essas diferentes situações ajuda a defender a tese de
que existe uma confabulação do neoliberalismo imperial para roubar a
terra dos que a necessitam.
De fato, é evidente uma extraordinária expansão da demanda no mercado de
terras para agricultura em todos os trópicos do mundo e, por certo,
também na Amazônia, em especial na brasileira e agora também na
colombiana. O pretexto “verde” para essa expansão, como no caso dos
biocombustíveis é, e ninguém dúvida disso, uma falácia. Bem sabido, no
processo da produção, distribuição e uso de biocombustíveis acumulam-se
mais impactos negativos que positivos para o meio ambiente. Ainda assim,
embora ecologicamente arriscada quando destrói florestas remanescentes,
não cabe afirmar enfaticamente que a expansão atual da atividade
agropecuária é sempre feita atropelando os direitos dos povos, como foi
na época colonial africana. Lembre-se que na época colonial
sul-americana quase ninguém se interessou por acumular terras na
Amazônia.
Entretanto, os três ingleses não insistem demais nesse ponto. Ao
contrário, focam suas baterias contra o estabelecimento de toda forma de
áreas protegidas e os negócios de carbono. Eles nem se dão ao trabalho
de distinguir entre as áreas de preservação permanente e aquelas de uso
sustentável – que constituem a maior parte das áreas protegidas e que
abrigam uma população local que nelas mora e trabalha, explorando os
recursos naturais. Os autores tampouco oferecem cifras para justificar
suas denúncias. Atacam com ferocidade todas as modalidades de transações
por carbono ou por água que, como bem se sabe, em geral não geram
transferência da posse sobre a terra. Nesse sentido, argumentam que as
restrições ao uso da terra contidas nos acordos são injustas para com os
seus habitantes.
Analisando caso a caso é, com efeito, possível que existam dentre os
poucos negócios já realizados, alguns que contenham condições abusivas,
especialmente quanto à repartição dos benefícios ou lucros. Outra coisa
bem distante é sentenciar que toda opção de negócios de carbono é
prejudicial aos povos locais. Pior, é uma inversão dos fatos. Mencionam o
receio dos indígenas amazônicos por esses acordos, porém não reconhecem
que estes estão aproveitando a oportunidade da aplicação de REDD ou
REDD+ para reclamar ou consolidar seus direitos reais ou pretensos sobre
a terra. De qualquer modo, no Brasil, na Colômbia ou no Peru, os
índios já são os maiores donos de terra na Amazônia e, obviamente, estão
muito interessados nos negócios de carbono que podem beneficiá-los mais
que qualquer outra iniciativa.
Os autores afirmam que suas conclusões são baseadas em evidências na
África, Ásia e América. Contudo, nas 26 páginas do texto são escassas as
provas de tais evidências. Na América do Sul, apenas uma é mencionada.
Ela é discutível, pois se trata de uma denúncia unilateral referente a
um conflito entre o turismo e habitantes do Parque Nacional Tayrona, da
Colômbia. Conflitos como este ou de um caso também mencionado na
Guatemala certamente ocorrem, mas são exceções e não a regra. Os poucos
exemplos, controversos e cuidadosamente escolhidos para defender a tese,
não dão legitimidade a uma generalização grosseira.
Preservar a natureza, para quê?
Como acontece com frequência, no intuito de ganhar notoriedade, os
autores propalam uma mensagem perigosa. A conclusão óbvia da leitura
deste texto é que não se deve preservar a natureza -- ela vai bem sem
intervenção -- seja na forma de áreas protegidas de qualquer categoria
ou através do pagamento por serviços ambientais aos donos da terra que
preservam suas florestas. Isso vai contra tudo o que se sabe e o que
pode ser feito para assegurar um futuro melhor à humanidade.
Na verdade, o que move os autores é pura ideologia. Eles denunciam o
neoliberalismo e a economia de mercado. Para eles, não é ético “vender
natureza para salvá-la”. Novamente, o curioso é que o estabelecimento
de áreas protegidas ou os negócios de carbono, tão atacados no artigo,
em geral não envolvem nenhuma venda ou compra de terra. Ou seja, elas
não implicam arrebatamento de nada, o “grabbing” do título do artigo. A
maior parte das áreas protegidas se estabeleceu sobre terra pública. Os
autores criticam o conceito dos certificados de conservação de áreas.
Mencionam a modalidade “adote um hectare de parque” e, com óbvia má fé,
ligam-na a uma alienação da propriedade, que no caso não acontece.
De outra lado, é difícil entender porque seria errado comprar terra para
preservá-la. Isso foi feito e incentivado pela The Nature Conservancy
por muitas décadas e, na atualidade, grande parte da terra assim
adquirida tem sido entregue aos governos, nacionais ou locais, para uso
público. A tese desses autores é um golpe baixo contra as reservas
particulares de patrimônio natural do Brasil e de outros países, caso em
que realmente existe compra e venda de terras. As reservas particulares
são uma ferramenta essencial para a criação de corredores ecológicos.
Qual é o problema de comprar terra para cuidar dela em vez de desmatar
tudo para criar gado, plantar soja ou construir prédios?
Na década de 50, protegia-se a natureza com base em argumentos éticos e
estéticos. Dizia-se “o homem não tem o direito de destruir a obra de
Deus”. Era a época da “proteção” da natureza. Essa filosofia pouco
ajudou a conservar a natureza e seus recursos. Nos anos 80, inventou-se a
“conservação” da natureza, acomodando critérios sociais e econômicos
junto aos ecológicos e éticos. Mais tarde, devido ao crescimento
desproporcionado da variável social, surgiu a deformação conhecida como
“socioambientalismo”. Muita terra foi aparentemente protegida, porém
isso pouco adiantou, pois os habitantes dessas áreas não conseguiram
compatibilizar a busca por prosperidade com conservação.
Já a partir deste século, com a chegada dos economistas ao debate,
incorporaram-se outras opções mais pragmáticas, baseadas em mecanismos
de mercado (“economia verde”). Elas podem funcionar melhor já que abrem
um leque mais amplo de oportunidades, especialmente através do prêmio
efetivo aos que cuidam do bem comum.
Contudo, esses teóricos sociais ingleses agora declaram que a Rio+20, ao
preconizar a economia verde, está “pondo em risco as sociedades locais e
que tem aumentado a percepção de que as soluções baseadas no mercado
são a panaceia, cerceando o valor intrínseco da natureza”.
Parece que preconizam um retorno ao protecionismo contemplativo, sem
proteger nada de concreto, apenas confiando na sabedoria humana.
A eventual aplicação da tese dos autores e dos seus defensores como
Terry Sunderland, do Centro para a Investigação Forestal Internacional
(CIFOR) -- uma instituição que no lugar de fazer pesquisa científica
para o manejo sustentável das florestas, o que é seu mandato, dedica
grande parte de seus esforços a promover um anacrônico socialismo
florestal -- não deixaria instrumentos disponíveis para evitar o colapso
do ambiente.
Com efeito, a consequência mais irritante dessa argumentação é que ela
não propõe alternativas à evidência inegável da destruição do meio
natural, dos recursos renováveis e do ambiente planetário. Trata-se de
uma versão de esquerda do velho “laissez-faire, laissez-passer”. Nesse
caso, deveria ser chamada “não se preocupe.... Deus proverá”.
((O)) Eco